“E se eu fosse cego, e chegara à conclusão, ao cabo de cinco minutos com os olhos fechados, de que a cegueira, sem dúvida alguma uma terrível desgraça, poderia, ainda assim ser relativamente suportável se a vítima de tal infelicidade tivesse conservado uma lembrança suficiente, não só das cores, mas também das formas e dos planos das superfícies e dos contornos, supondo , claro está, que a dita cegueira não fosse de nascença. Chegara mesmo ao ponto de pensar que a escuridão em que os cegos viviam não era, afinal, senão a simples ausência da luz, que os chamamos cegueira era algo que se limitava a cobria a aparência das coisas, deixando-os intactos por trás do seu véu negro. Agora, pelo contrário, ei-lo que se encontrava mergulhado numa brancura tão luminosa, tão total, que devorava, mais do que absorvia, não só as cores, mas as próprias corisas e seres, tornando-os , por essa maneira, duplamente invisíveis”. (Ensaio sobre a cegueira. José Saramago).